A Semana Nacional da Pessoa com
Deficiência Intelectual e Múltipla este ano aborda esta temática
importante, típica dos dias de hoje, quando etapas foram superadas
daquela antiga visão de pessoas com deficiência intelectual como seres
doentios, sem nenhuma iniciativa, nenhum desejo que se pudesse chamar
seu, existia aos olhos dos observadores.
As últimas décadas, tanto no Brasil
como no resto do mundo, vêm marcando a presença cada vez mais atuante de
jovens e adultos com deficiência intelectual, a bem dizer, também de
outras deficiências, em busca de seus direitos de cidadania que durante
tantos séculos lhes tem sido negados.
O movimento apaeano teve participação
muito grande na evolução que se nota das grandes questões de interesse
de pessoas com deficiência intelectual e suas famílias, pois desde as
primeiras Apaes fundadas no Brasil e logo no começo do movimento a
fundação da Federação Nacional das Apaes, na cidade de São Paulo, em 10
de novembro de 1962, houve um florescimento de nossas organizações em
escala crescente.
As novas Apaes foram criando suas
estruturas próprias e dentro delas os pais foram colhendo conhecimentos,
a princípio uns dos outros, houve logo interesse em colher informações
sobre a questão da pessoa com deficiência intelectual em outras regiões
do planeta. Naqueles primeiros anos de trabalho, lembramos bem,
dizia-se “os fracos da ideia”, “os mongoloides”, “débeis mentais”, uma
série de denominações, colocadas pelo vulgo e que eram o chavão da
época.
Além disso, se surgia um crime
destacado, que chamava a atenção, o eventual criminoso sempre era
chamado de débil mental, retardado, pois constituíam no atraso da época
os bodes expiatórios de tudo que havia de ruim na sociedade.
Os anos foram passando, não só no
Brasil, no mundo, e contribuiu muito para uma mudança total de valores o
enorme progresso das comunicações entre pessoas, sociedades e povos.
Do antigo rádio que nos acompanhou em nossa meninice distante chegamos
em 1950 ao início das irradiações da televisão, uma coisa espantosa que
não parecia verdadeiro, de repente podíamos ver à nossa frente uma série
de pessoas falando, se movimentando, surgiram os teatros da televisão,
as primeiras tele-novelas, tudo isso foi contribuindo para que o tema –
retardamento mental da época – fosse discutido fora dos quartos de
dormir, entre os pais ansiosos e muitas vezes envergonhados de terem
tido um filho assim tão diferente da média.
Lembro como se fosse hoje, à noite em
que pela primeira vez uma Apae, no caso a Apae de São Paulo, de que
havíamos sido fundadora com um grupo de outros pais aflitos, foi
convidada a participar de uma mesa redonda, imaginem! à noite, nos
estúdios da TVCultura, que naquele anos, 1962, era localizada na rua 7
de abril num prédio comum onde ocupava algumas salas na cidade de São
Paulo.
Estavam presentes o então Presidente
da Apae de São Paulo, o amigo Gilberto da Silva Telles, o Juiz de
Menores da época Dr. Aldo Assis Dias, um psiquiatra infantil Dr. Haim
Grunspun, Dra. Betty Lichetenstein e nós mesmas que tínhamos a
incumbência que nos fora dada pela sempre amiga e sempre presente mãe da
Apae, Alda Moreira Estrázulas, de representar as mães da Apae,
dirigindo algumas palavras de alento as mães que, como nós mesmas,
tínhamos em casa um filho com deficiência intelectual, um filhinho
retardado na linguagem da época.
Foi esse um primeiro passo hesitante,
mas muito importante porque como havia poucos aparelhos de TV e poucos
programas não só as nossas famílias, mas grande parte dos paulistanos
ouviu a discussão do tema deficiência mental e as palavras finais de uma
mãe, coisa raríssima na época tanto assim que foi a inauguração de
nossos contatos com a TV.
A partir de então, com o crescimento
rápido de muitas Apaes por todo o Brasil, e principalmente quando em
1966 a Federação Nacional das Apaes filiou-se à então Liga Internacional
de Associações Pró Pessoas com Deficiência Intelectual, sediada em
Bruxelas, Bélgica, rebatizada no Congresso Mundial de 1994 em Nova
Delhi, na Índia, como Inclusion International, começamos a compreender
melhor o valor humano de nossos filhos e que deveríamos formar uma
corrente de energia e de esperança ao redor do mundo para defender o seu
valor humano, tão posto de lado.
Hoje, abril de 2012, fala-se muito e
com toda a razão da igualdade de oportunidades, de direitos, direito a
uma vida independente e digna na comunidade, de nossos filhos e amigos
que de pequenos, há 50 anos, passaram a adultos e começam a envelhecer
conosco, pais pioneiros!
Foi muito importante que as próprias
pessoas com deficiência intelectual se unissem em alguns países,
inicialmente, hoje em quase todo o planeta, em grupos chamados de
“selfadvocates” ou em português autodefensores, como são conhecidos no
Brasil e em muitos outros países.
Precisamos ouvir a voz de nossos
autodefensores no Brasil e em qualquer parte do mundo. Eles estão por
aí, ansiosos por participar da sociedade a que legitimamente pertencem.
Daí o tema central de nossa próxima Semana Nacional:
EM BUSCA DE IGUALDADE. ESTAMOS AQUI!
O documento de alcance mundial mais
debatido e analisado em todo o mundo é, sem sombra de dúvida, a
Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência. Seus artigos são inovadores e muito ousados, mas devem ser
respeitados em sua inteireza porque representam anos de pesquisa,
infindáveis reuniões nas Nações Unidas de representantes das pessoas com
deficiência intelectual, seus familiares e os inúmeros voluntários que
têm dado o melhor de si a nossa causa. Todo esse exército de gente de
boa vontade debateu, exaustivamente, cada item da Convenção.
No Brasil ela faz parte da
Constituição brasileira, o que demonstra o avanço que tivemos em nosso
país em relação ao tratamento dado a pessoas com deficiência
intelectual.
Essas pessoas, crianças, jovens e
adultas, devem de fato estar aqui. É somente quando nós mesmos saímos a
campo defendendo seus interesses, seu direito à vida, à sexualidade, a
uma vida independente, a um emprego digno e a uma aposentadoria justa,
que seremos ouvidos. Ninguém pode falar por nós, pais, se não conhecem
os nossos anseios, nossas angústias, nossos medos e, ainda, a nossa
enorme coragem interior que é justamente o que caracteriza nossos
queridos amigos e filhos com deficiência intelectual.
Quem convive com um filho com
deficiência intelectual grave, com múltiplas deficiências como nós,
durante 56 anos, sabe o que está dizendo quando afirma que pessoas com
essa deficiência são em verdade donas de uma personalidade riquíssima,
em que sentimentos de afetividade e dignidade pessoal são seus maiores
tesouros.
Maria Amélia Vampré Xavier
Assessora da Diretoria de Assuntos Internacionais-Fenapaes.
Fonte: http://www.apaebrasil.org.br/artigo.phtml/21375
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